quinta-feira, 21 de junho de 2012

Hora de Crôniquear!


O INCRÍVEL CORAÇÃO QUE SUMIU


Foi bem no meio da noite. Começou com uma dor intensa, creio ter acordado por causa dela. Na sequência, uma falta de ar... Eu tremia, suava e forçava as minhas mãos contra o peito. Fui sentindo um enjoo, um engasgo, meus olhos escureceram por alguns segundos. Dor, muita dor. Quando eu parecia não aguentar mais, dei à luz meu próprio coração. Detalhe: pela boca. Enquanto eu ainda tossia e tentava recuperar o fôlego, ele explicava: "Desculpa, mas esse era o caminho mais curto, acredite."


Ao sentar na cama, me senti muito leve. A gente não tem ideia do peso de um coração, e lá estava eu, cara a cara com o meu. Então, ele começou: "Querida, estou des-tru-í-do. Preciso de férias, estou cansado de amar e não ser amado de volta." Realmente, aquele não fora um ano bom, amorosamente falando, mas argumentei: "Quer dizer que vou andar por aí sem coração? E você, aonde vai?", confrontei-o. Ele tinha um plano. "Sabe aquele porta-cookies lá na cozinha? Vou ficar dentro dele, mais precisamente embaixo da sua cama. Preciso de paz."


Minutos depois, empurrei meu próprio coração para baixo da cama. Tomei um banho demorado e fui para a rua sem sentir nada, sem peso, sem dor, sem angústia. Perambulei, achando o máximo não me comover com bebês lindos nem com cachorrinhos fofos. Até que escutei: "Ei, o seu cachecol caiu"". Era um menino moreno, com uma cara conhecida. Sem explicação, acabamos almoçando e, para minha surpresa, não me senti nervosa ou com necessidade de agradá-lo. Muito pelo contrário. O almoço seguiu normal e tranquilo, tanto que resolvemos passear pelo bairro.


Eu estava adorando aquilo: gostar sabendo que não chegaria a amar. Afinal, como é que se ama sem um coração? Ele contou coisas interessantes da sua vida, eu contei sobre a minha. Resolvi convida-lo para a minha casa e - porque não? - abrir o jogo sobre a noite bizarra. Caso ele sumisse por me achar uma doida, eu não sofreria, pois não tinha mesmo coração. Não via a hora de contar para alguém como foi maluco ver meu próprio coração saindo pela boca. Mal entramos, levei-o para o meu quarto. Ajoelhei em frente à cama e puxei sua mão para que ele ajoelhasse também. Ele obedeceu desconfiado. "Preciso te mostrar uma coisa...." Levantei o lençol e fiz um sinal com a cabeça para que ele olhasse o que havia ali embaixo. "Não tem nada aqui.", ele disse. Quando eu mesma olhei e não vi nada, sentei no chão, desconcertada.


Não sabia ao certo o que dizer. Será que meu coração agora teria fugido? Será que eu nunca mais o teria de volta? Vendo meu desespero, ele me abraçou forte. Só o que restava era abraça-lo de volta. "Você está muito nervosa, consigo ouvir o seu coração daqui!", ele disse. Arregalei os olhos, me livrei do abraço e, com as duas mãos no peito, senti: tum-tum, tum-tum. Meu coração acelerado! Nunca entendi o que aconteceu realmente, mas estamos juntos há três anos. Eu, o menino e o coração, que agora, sem a menor dúvida, é muito feliz.

       Camila Fremder, publicitária, jornalista, escritora e redatora.